Milhares de pessoas do mundo todo percorrem cerca de 42 quilômetros, a partir do km 82 da ferrovia Cusco/Quillabamba até Machu Piccho, algumas buscam apenas uma aventura, outras conhecimento ou até mesmo equilíbrio espiritual. Quanto a mim, não fui em busca de nada especifico, deixei mesmo que o Caminho me mostra-se o que ela reservava para mim.
Tudo começou em 30 de dezembro de 2007, quando ao receber a visita de meu primo Régis e sua esposa Linéia, surgiu à idéia de fazer uma trip pelo Peru e pela Bolívia, trip que meu primo já havia feito há 09 anos. Foi 01 ano de planejamento, conversas, telefonemas, e-mails (muitos e-mails), pesquisa de custos, valores e agências de turismo, tudo para que nossa viagem, marcada para ocorrer em dezembro de 2008, transcorre-se sem maiores transtornos.
Na mesma noite, eu e meu companheiro de viagem Wesley Viana, tivemos um breve briefing com nosso guia, Richard Morales (sujeito pequeno e franzino, porem muito hospitaleiro e simpático como todo o povo peruano foi conosco durante a viagem), de como seriam nossos próximos dias na trilha, como seria nossa alimentação, como beber água, que roupas deveríamos usar etc. Toda a infra-estrutura para fazer a caminhada estava incluída no pacote, alimentação, barracas. Detalhe, todo o material é carregado pelos “porteadores” (barracas, botijão de gás, comida, bancos, mesas), cada um deles chega a levar mais de 40 kg de carga nas costas. E eu reclamando da minha mochila que não pesava mais que 3 kg.
Acordamos ás 5 horas da manhã, nosso guia nos pegou no hotel e seguimos de ônibus até o km 82 para o inicio da aventura. Ainda no ônibus conhecemos aqueles que seriam nossos grandes companheiros na trilha, Hazel, Hong, Stella e Henglin. Quatro chineses que estavam morando nos Estados Unidos e que resolveram fazer o caminho Inca durante as férias de inverno. E esta foi uma das principais tônicas durante o todo Caminho, conhecer pessoas do mundo inteiro, conhecer suas culturas, costumes e trocar experiências de vida.
Antes de chegarmos ao km 82, tivemos uma ultima parada, onde compramos água, alguns biscoitos, nossos fieis cajados (muito importantes para amortecer o impacto e aliviar os joelhos durante as descidas e subidas) e claro as folhas de coca, famosas por deixarem os viajantes com “super poderes” para trilhar o caminho.
Começamos em um bom ritmo, porém não demorou muito e comecei a sentir o “soroche” ou o mal da altitude, sem perceber comecei a diminuir o ritmo, outros mochileiros começaram a me ultrapassar e o Wesley teve que diminuir consideravelmente o seu ritmo para me acompanhar. Tomei o chamado “Soroche Pills” quem comprei ainda em Cusco, uma pílula que promete acabar com os efeitos do mal da altitude, para ajudar resolvi também mascar as minhas primeiras folhas de cocas e fiquei esperando que os prometidos “super poderes” me ajudassem, mas nada feito. Junto com o gosto terrível da folha de coca veio à dor de cabeça e um forte desconforto estomacal, a cada 5 minutos tinha que dar uma parada para me recuperar, e nossas amigas chinesas passaram ao passo largo por mim, elas aparentemente sem sentir nada.
O mal estar continuou por todo o percurso, quanto mais à gente subia, mais pesado ficava o corpo, começamos a caminhar em zig-zag, para a subida ficar mais amena, porem não adiantava cada passo era um sacrifício. Faltava oxigênio para o cérebro, as tentativas de aumentar o ritmo foram fracassadas, pois as pernas, sem oxigênio suficiente, também fraquejaram e nisto fomos conhecendo pessoas incríveis pelo caminho, um casal holandês que havia conhecido toda a América do sul, a inglesa que era advogada de músicos (também não entendi isso até hoje), o trio paulista (estes estão em todos os lugares) e um grupo de 4 argentinos que tiveram que escutar o tempo todo do caminho que o Maradona era pior que o Pelé e sem falar no menino colombiano de apenas 13 anos que estava fazendo a trilha com seu pai.
O tempo virou e antes de começarmos a descer tudo ficou nublado, uma ventania chegou como dizendo “Vocês ainda não viram nada” a temperatura caiu uns 10 graus em questão de minutos, mas naquela altura nada poderia me desanimar, seguimos em frente e chegamos ao acampamento quase 4 horas após as chinesas. Novamente em um lugar maravilhoso, acampamos a 3.500 metros de altura, ao lado de um rio, local com toda a infra-estrutura necessária para receber os viajantes, tomamos café, jantamos, fomos ao banheiro, porém banho somente gelado e realmente preferi ficar mais um dia com meu cheiro natural.
Amanheceu, terceiro dia e com ele veio à chuva, nossos carregadores estavam preocupados comigo, mas amanheci muito bem, não sentindo nada, acordamos antes de todos, pois queríamos sair mais cedo, já era motivo de honra para nós chegar no próximo acampamento antes das chinesas.
Já no inicio, após uma subida íngreme, chegamos a Runkuraqay ("pilha de ruínas"), não se sabe exatamente qual a funcionalidade daquele lugar, alguns dizem que seria um observatório astronômico inca, outros dizem que servia de “hotel” para os antigos viajantes chegarem a Machu Pichu, o que sei é que este local é impressionante, construído numa montanha falésia, com uma vista panorâmica do Vale de Acobamba e do cume do Pamasillo coberta de neve.
Final do terceiro dia, chegamos ao acampamento, já era 30/12/08, ultima noite acampados e nossa janta foi pra lá de especial, com direto a pizza, bolo, lentilha, o pessoal da equipe realmente deu um show a parte, e lá finalmente depois de 3 dias tomei uma ducha quente, a melhor ducha quente da minha vida, uma sensação tão boa quanto um Ménege a Trois. Aposto que todos os outros 500 mochileiros que fizeram à trilha comigo também pensaram o mesmo.
Ultimo dia de trilha, acordamos às 4 da manhã, nos despedimos da nossa equipe e seguimos por mais 2 horas até chegar ao Portal do Sol. A escadaria que antecede o Portal do Sol é tão íngreme que precisa ser praticamente escalada, subimos elas engatinhando, ajoelhados, obrigados a reverenciar a cidadela de Machu Piccho num ultimo sacrifício antes da redenção. Ao chegar no Portal me passou pela cabeça, como um filme, tudo o que passamos e percebi que o Caminho é um pequeno reflexo de como é nossa vida, existem momentos fáceis e difíceis, algumas horas queremos sorrir em outras chorar, algumas vezes no sentimos fracos, incapazes, achamos que não conseguiremos seguir em frente, mas seguimos, passando por todas as dificuldades, com nosso fardo nas costas e chegando ao fim, vemos que todo o esforço que fizemos valeu a pena e que o final é o mesmo para todos.
E quanto a Machu Piccho?
Bom, façam o Caminho Inca e depois me contem vocês mesmos...